Não sei, mas ultimamente tenho tido a impressão de que nossa ignorância tem dado um jeito de ficar mais saliente. Parece que fazemos questão de parecer mais, quer dizer, menos... É cada coisa que aparece, que é de deixar qualquer um abismado. Ultimamente, a ‘grande’ mídia tem dado uma atenção especial ao fato simples de o MEC ter adotado um livro de Português que legitima a variação linguística (‘Por uma vida melhor’). Variação linguística: uma questão velha, já largamente debatida, estudada e comprovada na academia há, pelo menos, seis décadas. Daí, tiramos uma noção mínima da disparidade entre o que se ensina nas escolas e o que se pesquisa nas academias.
Disparidade mais profundamente percebida quando acompanhamos a ‘grande’ mídia tratar o caso como “MEC aprova livro que incentiva falar errado”. Ou seja, se até os ‘bons’ jornalistas, que, acreditamos (ou pelo menos era para acreditarmos!) que são pessoas que têm mais conhecimento linguístico que o restante da população, que não trabalha tão diretamente com a linguagem, são capazes de uma afirmação como essa, que será de nós, meu Deus?! Nego-me a aceitar esse nível de ignorância numa classe tão ‘culta’, e eu explico por qual motivo.
Não sei se minha revolta talvez seja maior porque estou há, mais ou menos, sete anos vivendo o cotidiano da academia, e tal assunto por aqui já é, no mínimo, banal. Mas entendo também que não é preciso ser um acadêmico ou um pesquisador ou um doutor para perceber, ou ao menos entender, que não nos expressamos unicamente em todas as nossas situações de comunicação diárias. E, principalmente, que admitir isso não vai nos deixar mais ignorantes...
O indivíduo em sociedade compartilha desde cedo de experiências que o ensinam a agir adequadamente e diferentemente em situações diferentes. A escola, por sua vez, assume aí um papel fundamental, porque é ela que vai contribuir de sobremaneira na ‘formação’ deste indivíduo, para que, cada vez mais, este saiba agir adequadamente num maior número de situações. Entram também aí aquelas mais formais e com mais prestígio social, evidentemente.
Neste quesito, a questão linguística aparece com muita importância, porque sabemos que o comportamento social está intimamente atrelado ao linguístico. Logo, expressar-se adequadamente é ainda expressar-se linguisticamente de forma coerente. E a escola nunca pode perder esse papel de vista.
Aceitar diferentes formas de expressão como “os meninos estão jogando bola” e “os menino tão jogando bola” não é nenhum crime, nem ao menos linguístico, ou contra a Gramática normativa, como muitos acreditam. Linguisticamente, temos, nos dois enunciados, a mesma informação, com a diferença de que, no primeiro, o morfema de número, indicado já no determinante (o artigo ‘o/s’), é mais uma vez repetido no núcleo do sintagma nominal (‘menino/s’), o que termina por repetir a informação de que mais de um menino joga bola naquela situação. Informação que é enfatizada posteriormente pela forma verbal na terceira pessoa do plural (‘estão’). No segundo, temos, como no primeiro, o morfema de número no determinante, que não é repetido no nome, e, na forma verbal, é preservada a terceira pessoa plural (‘tão’), comumente usada em situações de oralidade. Como falantes de português, somos perfeitamente capazes de entender que no primeiro e no segundo enunciado mais de um menino joga bola. E dou um doce para quem me provar o contrário!
Porém, é preciso deixar claro que uma e outra situação, por uma questão social, e não mais linguística, recebem diferentes tratamentos. E aí entra mais uma vez a escola e o seu papel tão fundamental na construção da cidadania. De fazer o seu cidadão do futuro entender que além de saber como, é preciso saber quando usar diferentes variedades e/ou possibilidades de uso de nosso sistema linguístico. A norma dita culta entra como uma destas variedades, e não há dúvidas de que seja a mais prestigiada e valorizada socialmente, mas muito longe de ser a única.
E dou mais um doce para quem me provar que algum menino já deixou de jogar bola porque não fez a devida concordância entre artigo e substantivo ou entre sujeito e predicado ou entre verbo e complementos... O que importa mais naquela situação? Aprendi desde cedo, antes mesmo de ir a escola, que é saber jogar bola!
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