Eles que são brancos que não se entendam: briga por língua faz
sentido
Manifestantes que jogam gás
lacrimogêneo em policiais (evidentemente, o percurso tradicional também
aconteceu) foram apenas uma das esquisitices da explosão de protestos na
Ucrânia. Quem olha de fora do país, sem proximidade com as tragédias históricas
que o estraçalharam no século XX, também custa a entender que estejam brigando
por causa de uma língua. No caso, o russo, promovido a idioma oficial num
projeto de lei aprovado por meio de manobras solertes no Parlamento – tanto que
o presidente do órgão e seu vice renunciaram. A briga tem origem num problema
praticamente insolúvel: quase 20% da população da Ucrânia tem origem russa, só
quer falar a língua de seus antepassados e busca proteção em Moscou. A russificação
de partes da Ucrânia provém, sobretudo, da época do império soviético, que no
auge do terror stalinista engendrou o extermínio dos produtores rurais que
resistiam à coletivização através de uma política de terra arrasada. Foi
cunhada até uma palavra em ucraniano, holodomor,
para definir a morte em massa por fome. Continua impossível cravar
um número final de vítimas, mas o vazio demográfico deixado pela grande fome já
foi calculado em 6 milhões. Não admira que tantos ucranianos se sintam
ameaçados pela influência russa, externa e interna, embora o atual presidente,
Viktor Yanukovych; seja do campo pró-Rússia. Pela nova lei, o russo se toma
idioma oficial em escolas e repartições públicas de treze das 27 regiões do
país. “Não é uma questão de língua, mas de divisão do território nacional”,
disse Vitali Klitschko, uma ucraniana combinação de campeão de pesos pesados e
líder político. O boxeador fortão com doutorado em ciências do esporte também
levou sua dose de gás lacrimogêneo e, contrariando o nome do partido que criou
– Pancada – não reagiu.
(POLÍTICA à ucraniana. Revista Veja. Edição 2277, Ano 45, nº 28, 11 de jul de 2012, p. 41)
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